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Quando falamos em sustentabilidade e comércio justo, fica o questionamento de como o fast fashion se encaixa nisso. O fast fashion funciona de forma a incentivar as pessoas a comprarem roupa toda semana. Apesar de eles estarem trabalhando com todos aqueles aspectos de desenvolver um produto mais sustentável, continuam incentivando que a gente compre roupa muitas vezes. Porque é um preço mais baixo, incentiva a moda atual em vez da moda atemporal, etc. Então é um paradoxo.

Na página do Greenpeace Detox nós podemos encontrar os relatórios anuais onde eles avaliam todas as grandes marcas que aderiram a esse movimento. E como o Greenpeace é uma organização independente – não está ligada ao governo e nem a empresas corporativas, eles fazem relatórios muito detalhados com vários pilares atrelados também à UNESCO. Então são relatórios mais imparciais do que os relatórios que as próprias marcas fazem e colocam em seus sites.
Os seis desafios para a moda sustentável
No livro Moda ética para um futuro sustentável, a autora Helena Salcedo discute seis desafios principais para a moda sustentável, que estão totalmente atrelados àqueles propostos pelo Greenpeace Detox. O primeiro desafio é a água, é fazer o uso consciente da água, a limpeza dessa água depois que já foram feitos os processos químicos, de tinturaria, etc. O segundo é a energia, ponto que as pessoas falam pouco sobre ele. Muito se fala que jeans é a indústria que mais gasta água, mas tem também a questão energética.
Então não é só falar que o jeans é o pior, não é, às vezes fazer uma peça de algodão pode gastar muita água também. E nesse aspecto lá em Portugal eles modernizaram todas as fábricas para o consumo de energia mais baixo, e isso reduziu muito os custos deles, chegando a compensar o custo da mão de obra. O custo de mão de obra deles é infinitamente maior, o salário mínimo é maior que o da Ásia, por exemplo, mas eles conseguiram reduzir todos os custos operacionais, graças a esses trabalhos de tecnologia e energia. Então é outro ponto para se trabalhar.
O terceiro desafio é reduzir os químicos, reduzir o uso de materiais químicos e tóxicos, isso está muito atrelado na parte têxtil. Já o quarto desafio envolve os resíduos, que é tudo o que acontece com o que sai das suas fábricas e também do final do ciclo do seu produto. As condições de trabalho, quinto desafio, que estão muito atreladas ao que aconteceu no Rana Plaza, ao Fashion Revolution, etc. E a parte de serviços, que é bem relevante para todo mundo que está buscando inovação. A parte de serviços é a que demanda menos tecnologia, está ligada à nossa criatividade em sermos mais sustentáveis.
O fast fashion e o desafio de ser sustentável
O Grupo Inditex, acredito que a gente pode falar que hoje é o maior varejista de moda do mundo, possui mais de 7.000 lojas. Então é um volume muito alto que torna os preços muito baixos. Os pedidos mínimos deles de apenas uma peça são de 30.000, 50.000 peças, e esses são pedidos pequenos. Sendo uma produção para mais de 7.000 lojas, a economia de escala é muito grande.
Sobre a Zara, acho importante esclarecer o que vem acontecendo desde 2011-2012, e o que realmente foram os flagrantes da Zara. Eles abriram a primeira loja em 1975 em La Coruña, e hoje estão em mais de 85 países com mais ou menos 2.500 lojas, e os produtos novos chegam às lojas duas vezes por semana. Isso é fantástico, uma gestão de produto tão alinhada, tecnológica e rápida, que é muito diferente de como a gente vê as grandes marcas fazendo aqui no Brasil e mesmo lá fora.
E essa questão de entregar as peças duas vezes por semana acontece de avião no mundo todo ou de caminhão dentro da Europa. Eles têm um sistema logístico absurdo de ágil e rápido e que também economiza bastante energia. Essas peças são feitas no mundo todo por mais de 7.200 fornecedores, então é muita gente para conseguir manter um controle.
Flagrantes no fast fashion
O principal flagrante que as pessoas associam à Zara em particular e a outras marcas de fast fashion, foi o flagrante que aconteceu no final de 2011, antes do desabamento do Rana Plaza, de uma fábrica em São Paulo que estava com muitas irregularidades na questão de trabalho e lá tinham peças com a etiqueta da Zara, assim como de outras marcas também. Foi um escândalo porque as pessoas ficam muito decepcionadas quando isso acontece. Apareceu na mídia, o pessoal do Grupo Inditex veio aqui fazer investigação, e esse processo ainda está rolando.
Depois disso aconteceu o Rana Plaza em 2013, e eles também estavam envolvidos. Já em 2016 aconteceu outro flagrante também relacionado a condições de trabalho, dessa vez na Turquia. Tinham refugiados sírios ali que estavam sendo explorados. E 2016 foi o período do “greenwashing”, onde as marcas afirmavam que estavam fazendo algo a respeito da moda sustentável, mas ninguém sabia se de fato faziam algo. Leia mais sobre isso nesse post.
Então foi bem nesse período e foi um divisor de águas. A BBC reportou isso e repercutiu pelo mundo todo. Nesse ponto, as marcas precisaram realmente decidir se iriam ser absolutamente transparentes. Era ou entrar no jogo de serem transparentes, ou chutar o balde e declarar que não se importam, como algumas ainda fazem.
Iniciativas de sustentabilidade na moda
Aqui começou a demanda por esses órgãos independentes. Essas situações aconteceram pontualmente, as empresas declararam que sentiam muito e que iriam fazer algumas coisas, mas como saber se de fato faziam? Assim, órgãos como o Greenpeace e a UNESCO entraram para fazer essa fiscalização, principalmente a partir de 2016. Os relatórios começaram a ser publicados de forma aberta para todos e com muitos detalhes. E desde então esse grupo não apareceu mais em nenhuma notícia.
Acho importante destacar que no Brasil esses escândalos estão mais associados às marcas muito caras. Porque muitas vezes a gente pensa que roupa barata é trabalho escravo, mas na realidade não é. Hoje os escândalos mais recentes de trabalho análogo à escravidão no Brasil são de marcas muito caras, e não das fast fashion.
E com relação às iniciativas de sustentabilidade, isso já acontece no Brasil também. Não para todas as redes magazines, mas a gente vê a Renner e principalmente a C&A, trabalhando intensamente como o Grupo Inditex. Vou dar um exemplo de um dos fornecedores do Grupo Inditex, que a gente pode considerar muito parecido para a Renner e a C&A.
É um fornecedor que trabalha com essa integração super rápida de desenvolvimento de produto. Eles têm um escritório que faz toda essa conexão com a tinturaria, com as tecelagens, com os fios, eles desenvolvem tecidos em cores e produtos em 6 a 7 semanas, é tudo muito rápido. Um sistema que eles têm, por exemplo, que é um esquema básico de trabalho que a Zara e o Grupo Inditex usam juntamente com os fornecedores. Ou seja, não é um sistema interno, é algo acessível também para quem está fornecendo para essas marcas.
Revoluções industriais e a indústria 4.0
Agora a gente deve pensar no futuro. Pode parecer que é uma coisa só da Europa porque eles estão mais avançados, e realmente estão, mas muitas tecnologias que eles têm nós também temos aqui no Brasil. E o ponto que está sendo mais desenvolvido na Europa e que, em algum momento, vai vir aqui para o Brasil, é essa questão toda da indústria 4.0.
A primeira revolução industrial aconteceu lá no final do século XVIII, onde a mecanização das máquinas era toda artesanal, aí vieram as máquinas, os teares, etc. Se tornou possível fazer produtos em maior escala. Depois começaram a entrar as máquinas a vapor. Isso tudo começou a acelerar e o grande precursor disso foi a indústria da moda e têxtil, foram as tecelagens que dominaram essa primeira revolução industrial. Em 1870, mais ou menos por volta do final do século XIX, a indústria 2.0 passou um pouco mais para elétrica, saiu da energia a vapor e de carvão e foi para a elétrica. Assim melhoraram muito os sistemas de produção, engenharia de produção, etc.
A terceira foi recentemente, com relação à comunicação, computadores, internet, porque antes essas máquinas eram bem mais rudimentares. E agora o que a gente tá passando é que esses computadores, essa automação, essas máquinas digitais estão elevando para outro nível. São máquinas que pensam sozinhas, inteligência artificial das máquinas, a internet das coisas que é quando uma máquina conversa com a outra e aprende com a outra, então nem é mais um humano programando a máquina, ela cria as informações.
Inovações e desafios para a moda sustentável
Algumas pesquisas feitas em Portugal apontam que, nos próximos 10 anos, para em torno de 55% dos empregos que vão estar disponíveis no mercado as pessoas ainda não têm qualificação, e a gente ainda não sabe o que é essa qualificação. Então existem muitas frentes para novos empregos, essas empresas vão estar lá e ninguém vai conseguir suprir o que elas demandam.
Isso está muito relacionado à programação, à engenharia da computação, mas também está muito atrelado ao lado humano, porque a gente vai ter que entender o que os humanos querem para poder fazer essas máquinas. Vai ter muito envolvimento humano, psicológico, de bem estar, pra gente realmente entender o que as pessoas querem, visto que agora a gente não vai estar lá na lavoura ou numa indústria produzindo essas coisas.
E nesse cenário, o que a gente vai demandar cada vez mais dos negócios grandes ou pequenos é transparência e conexão. Mais e mais as pessoas querem saber quem faz as roupas que elas usam e isso está se tornando cada vez mais importante para os consumidores. E por fim podemos falar de serviços que vão além dos produtos e isso é outra coisa que todo mundo pode ter criatividade de pensar.
São muitas as frentes que a gente pode trabalhar para agregar mais valor em cada peça. E isso também vai incentivar um consumo mais consciente, que é algo que o fast fashion sente dificuldade em fazer, é o oposto do seu modelo. E claro, sempre pensando na sustentabilidade econômica do negócio, pois sem ela esse tipo de mensagem não irá se propagar e chegar a mais pessoas.
Se preferir, confira o conteúdo desse post em vídeo.
Um super abraço e até a próxima!
Andressa Rando Favorito