Economia Circular na Moda: Saiba Como se Preparar Para o Futuro da Indústria

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A economia circular é uma tendência que vem sendo apontada e sugerida para a sobrevivência da indústria da moda no futuro. Nesse post vamos falar um pouco sobre esse assunto tão importante para a nossa indústria. Muito do que eu trago aqui foi baseado em um artigo do site www.ideiacircular.com, um blog especializado nos conceitos de economia circular.

No meu canal do Youtube eu tenho uma playlist sobre sustentabilidade na moda, comércio ético, muitos estudos sobre o futuro da indústria da moda e quais as probabilidades de a indústria como a gente conhece hoje realmente não sobreviver. E com o ano de 2020, a pandemia trouxe muitas reflexões sobre o consumo consciente e o que vai acontecer no futuro da moda. Na verdade, a pandemia só acelerou o que já estava acontecendo.

É preciso fazer escolhas sustentáveis desde o desenvolvimento do produto.

Modelo de produção da revolução industrial

A indústria da moda, atualmente, é muito baseada no que aconteceu na revolução industrial. Clique aqui e veja meu vídeo sobre esse assunto. É um modelo de economia linear pra maioria dos produtos de consumo, onde tem-se a ideia de um produto, ele é produzido em escala maior ou menor, vendido para os consumidores, cada vez mais a vida útil desses produtos se torna menor, e quando o consumidor não quer mais esse produto ele é descartado na natureza, vira lixo.

Décadas atrás isso era reduzido porque a população era menor e o consumo não era tão grande como é hoje. O volume de produtos consumidos todo dia realmente cresceu muito nas últimas décadas muito em função desse modelo de revolução industrial, onde quanto maior a escala menor fica o custo do produto. E ainda viabiliza a venda de um produto por um preço muito mais baixo do que era há algumas décadas, com lucro, desde que haja esse volume de venda e de consumo.

Uma possível situação de insuficiência

Mas o que acontece nesse modelo linear é que no final da linha esse produto vira lixo, poluindo o planeta como um todo. Esse é um grande alerta que está sendo trazido para a indústria da moda. Segundo a Boston Consulting Group em parceria com o movimento global Fashion Agenda, as marcas de roupa devem sofrer, a partir de 2030 (e isso deve ser acelerado drasticamente por causa da pandemia), um declínio na lucratividade equivalente a 45 bilhões de euros por ano.

Essa preocupação vai ficar ainda maior porque a demanda de consumo dos produtos deve crescer muito em 2050. A projeção é de novos mercados que vão emergir como a Ásia e a África, e isso pode resultar em uma situação de insuficiência de recursos produtivos. Ou seja, mais pessoas serão inseridas no mercado de consumo e, assim, mais produtos devem ser produzidos para atender essa demanda.

Dessa forma pode realmente chegar muito próximo de um colapso. Por outro lado, a indústria da moda é muito importante para a economia como um todo. Atualmente gera 1,3 trilhão de dólares por ano, emprega mais de 300 milhões de pessoas no mundo todo, de acordo com Euromonitor e Banco Mundial.

Os principais fatores que geram desperdício

O algodão é uma matéria prima muito falada dentro da moda sustentável. As pessoas pensam que, por ser uma planta, o algodão é biodegradável, mas não é bem assim. Só a produção do algodão, que é essencialmente uma plantação, responde por quase 7% dos empregos nos países de baixa renda. Mas o desperdício é tão impressionante quanto, porque toda essa produção acaba se tornando lixo.

Mais de 500 bilhões de dólares são perdidos por ano devido a dois fatores principais: o uso insuficiente ou descarte rápido das roupas; ou reciclagem muito baixa. Sobre o uso insuficiente das roupas, falei um pouco nesse vídeo sobre o que pode acontecer se as confecções pararem, se não tiver mais produção como vamos repor os produtos para manter o varejo. E para solucionar esse problema a gente precisa repensar toda a produção, para que de fato os produtos tenham maior longevidade.

Eu vejo muitas marcas ou lojas que falam que seus produtos são bons, têm qualidade e durabilidade, são atemporais, mas a gente precisa olhar de forma mais crítica pra esses produtos e entender se ele realmente é durável. É acompanhar o uso dos clientes, saber quantas vezes eles lavaram o produto, como lavaram, por quantos anos eles usam aquela peça, etc. Algumas marcas têm essa informação, especialmente quem já está no mercado há muito tempo. Uma das maiores satisfações de trabalhar com moda é ver alguém falando que já tem uma peça sua há muitos anos, usa muito e ela continua impecável. Esse é o nosso objetivo.

Comece produzindo produtos realmente duráveis

Com aquele modelo que começou na revolução industrial, baseado numa escala maior, em que quanto mais volume eu produzo e vendo menor fica o custo, porque o custo fica menor e o preço de venda também fica menor, há uma banalização da importância de cada peça de moda que eu compro. As pessoas pensam “ah, eu só paguei R$30, então se eu usar só uma ou duas vezes não tem problema”. Pode até não ter problema do ponto de vista de quanto foi investido, mas esse produto vai virar lixo no final.

Então a ideia é que todos os produtos sejam feitos sem essa sazonalidade, para que não sejam descartados na próxima tendência . Que de fato eles tenham durabilidade, longevidade. Para as marcas é ter um olhar muito crítico com relação a isso, muito cuidado com a seleção de matérias primas, em como vai ser a construção desse produto, se esse produto funciona, se a modelagem é boa, etc. Tudo isso vai interferir no conforto e na solução que esse produto leva para o consumidor, para que ele use mais vezes o produto.

É claro que muitas vezes isso pode custar mais caro. Se eu vou numa tecelagem ou em um fornecedor que ofereça essa durabilidade, geralmente é mais caro. E aí vem todo o processo de educação do nosso consumidor e da revolução do consumo da moda como um todo. O que observamos em 2020 com a pandemia, o isolamento social e o encolhimento relativo da economia, é que as pessoas estão considerando com muito mais consciência o que elas vão comprar, se aquilo vai atendê-la por mais tempo, e menos coisas descartáveis.

Fazer peças duráveis e reciclar mais

Então se você for desenvolver sua própria marca ou tem uma loja, te incentivo a selecionar marcas e produtos que de fato tenham uma longevidade maior. Tanto em estilo que seja mais atemporal, como na qualidade do desempenho das matérias primas, quanto na construção desses produtos também. Qual é a modelagem, como ele é confeccionado, que seja confortável, que fique bem nos vários tamanhos, etc.

E no seu atendimento aos clientes você consegue educar nesses aspectos, lembrando todos esses benefícios. Para que o consumidor que talvez queira pagar R$20 em 5 peças, decida pagar R$100 em uma. Custa mais, mas a gente quer que as pessoas comprem menos e talvez invistam um pouco mais, e usem isso por mais tempo.

O segundo fator é o baixo índice de reciclagem dessas peças. Como falei no início, muita gente pensa que o algodão é biodegradável, mas isso não é necessariamente verdade. Veja esse vídeo que eu fiz com a Professora Doutora Fátima, que vai trazer vários insights sobre isso. O algodão é sim uma planta, mas ele sofre uma série de processos químicos, tanto no tingimento como no amaciamento, ou seja, no beneficiamento dessas fibras para fazer com que se torne um tecido. E esses químicos que estão ali no processo não necessariamente são biodegradáveis ou bons para o solo.

Produtos que se decomponham sem contaminar o solo

A gente precisa realmente voltar naquele modelo citado por Michael Braungart no livro Cradle to Cradle, onde ele explica que a gente precisa aprender a imitar os sistemas naturais. Um sistema natural, por exemplo, quando pensamos em uma floresta tem um macaco que pega a banana pra comer e depois ele joga a casca no chão, aquilo se torna adubo pra nascer uma nova bananeira.

Mas isso não acontece com os seres humanos, o que a gente descarta na terra não vira necessariamente adubo. Já existem tecnologias têxteis desenvolvidas no mundo, de várias fibras inclusive sintéticas que são biodegradáveis, elas se decompõem com certa velocidade na natureza. Inclusive eu tenho uma peça que é de uma poliamida brasileira biodegradável, da marca Revival. Essa marca faz roupas atemporais que podem ser usadas de várias formas, não é atrelado a uma tendência pontual e ainda tem fibra biodegradável.

Mesmo o algodão orgânico, se ele não tiver um processo de beneficiamento que tenha ingredientes biodegradáveis, ele vai poluir também. O algodão leva em torno de 100 anos ou mais para se decompor na terra, e o impacto dessa decomposição se não for de matérias primas naturais, pode contaminar o solo e inviabilizar o plantio de alimentos, por exemplo, pra que a gente volte a consumir a partir dessa terra. A questão da reciclagem está atrelada tanto às matérias primas que a gente utiliza como também no processo do design da produção.

Nosso papel para uma indústria sustentável

Há também o upcycling, que é quando você recicla um produto agregando mais valor àquele produto do que o original. Aqui em Curitiba tem uma marca chamada Farrapo, onde elas usam retalhos da indústria têxtil, tecidos que seriam lixo são resignificados em novos modelos, em novas peças que sejam adequadas ao que a gente quer vestir hoje. Isso permite que esses tecidos tenham uma vida útil mais longa. Esses são aspectos que a gente deve utilizar para que o nível de reciclagem seja maior.

Então esse é um convite a todos que estão na indústria da moda a considerar esses aspectos desde a concepção do produto. Também na compra se você é lojista, entender a procedência das matérias primas das marcas que você escolhe. E os consumidores também tem um papel fundamental em incentivar essas práticas. Enquanto ninguém questionar isso, poucas marcas vão realmente dar a importância necessária para esse assunto.

Se preferir, confira o conteúdo desse post em vídeo.

Um super beijo e até a próxima!

Andressa Rando Favorito