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Hoje quero trazer algumas reflexões sobre esse período de quarentena que o mundo todo está vivendo. Essa quarentena trará muitos impactos não só na economia, mas na sociedade e no nosso comportamento como um todo e é crucial que saibamos nos adaptar a tudo isso para sobreviver e evoluir com o que esse ano está nos trazendo! Alguns desses impactos já estão sendo sentidos por nós, mudanças já acontecem e vão perdurar por todo o ano de 2020. Isso pode ser observado em países onde essa pandemia chegou primeiro, como a China e os países da Europa, que ainda não têm previsões definitivas de volta a uma vida totalmente “normal” – ou como era antes da pandemia começar.
Por isso, há uma expectativa de que todo o ano de 2020 e até o primeiro semestre de 2021 sejam muito afetados por essas medidas de isolamento social. Lembrando que essas medidas são fundamentais para proteger ao máximo possível a população e reduzir a velocidade de contaminação pelo vírus para que os nossos sistemas de saúde não se sobrecarreguem e consigam lidar efetivamente com os doentes sem sacrificar vidas desnecessariamente, isso seguirá até que possamos ir retomando as atividades aos poucos. E o que eu quero destacar aqui é que muitas das mudanças que vieram à tona nesse momento são questões já pensadas sobre o comportamento de consumo da moda há alguns anos.

1. Menos produto e mais serviço
Essa é uma tendência já muito falada pela minha colega Renata Abranchs e também pelo André Carvalhal, sobre menos produto e mais serviço. A gente já vem apontando sobre o que está acontecendo com as grandes redes de fast fashion. Em como essas marcas estão se reinventando para se manterem relevantes (em 2019 publiquei um vídeo sobre o pedido de falência da Forever 21 que repercutiu bastante, antes disso tudo estar acontecendo, é mais atual do que nunca – veja ele aqui). No contexto em que estamos, realmente temos essa tendência de menos clientes ativamente nas ruas, visitando lojas ou “só olhando”. O que, ao mesmo tempo, deve levar a uma maior qualidade no atendimento e relacionamento, para maior conversão.
Em um momento onde não temos o comércio aberto, shoppings estão fechados, etc., não temos um fluxo de pessoas passando em frente às lojas como antes, e vale lembrar o que parece óbvio, mas é importante para essa reflexão, que quando alugamos uma loja de shopping ou de uma rua movimentada, estamos pagando não apenas pelo espaço físico, mas também pelo fluxo de pessoas que passam na frente dessa loja. Da mesma forma acontece com o e-commerce, pois existe um oceano de sites na internet, então você precisa direcionar o tráfego para conseguir realizar essas vendas. Em uma loja física, se há pouco fluxo de pessoas no local onde a loja está instalada, os produtos serão expostos a um menor número de pessoas. O mesmo acontece com e-commerces sem um tráfego bem qualificado e eficiente.
Então, nesse contexto em que o fluxo de pessoas é pouco ou nenhum, o que fazer? Com menos clientes, ofereça um melhor atendimento. No caso dos fast fashions, por exemplo, eles estão acostumados a vender um grande volume de produtos, pois são negócios criados com essa estratégia de alto volume. Grandes lojas em grandes shoppings centers com alto fluxo, grandes volumes de estoques e variedades, etc. Porém, o desenvolvimento desses produtos geralmente é pouco consciente pensando em inovação ou novas soluções e a produção é muito rápida e focada no volume. O atendimento desses tipos de negócio também é mais impessoal focando ao máximo no autosserviço, e como resultado, há um distanciamento do público consumidor. Assim é mais difícil que a loja tenha um contato próximo com o cliente, o que apresenta uma excelente oportunidade para negócios menores e mais pessoais. Entenda quais são as demandas desse cliente e quais soluções você sempre pode oferecer.
2. O relacionamento com o cliente é fundamental
Para essa questão do melhor atendimento temos o movimento do slow fashion, que é o oposto do fast fashion. No slow fashion cada produto levou mais tempo para ser desenvolvido e pensado. Por mais que tenha certa escala de produção, aquele produto não foi criado tão rápido, teve um processo mais denso no design e produção. Assim, os clientes que compram de marcas de slow fashion tendem a ter um relacionamento mais próximo com essas marcas.
Como essas marcas, em geral, têm menos clientes, passam pela dúvida de como escalar o negócio se cada produto leva um bom tempo para ser desenvolvido. A solução é manter esse relacionamento mais próximo com o cliente para entender melhor quais tipos de produtos ele deseja comprar, e assim desenvolver produtos mais assertivos. Além disso, manter a qualidade no atendimento e procurar vender mais peças de uma vez, vender um look completo em vez de uma peça isolada. É oferecer mais soluções pensando em todas as necessidades do cliente.
O relacionamento com o cliente e ouvir o que ele precisa é fundamental. Não é simplesmente jogar produtos e tendências, mas sim entender o que esse cliente quer e oferecer um melhor serviço. E é assim que se consegue uma maior conversão. Em vez de apenas tentar trazer novos clientes, é melhor se dedicar mais a atender melhor os clientes que já gostam da sua marca. Isso pode trazer resultados muito melhores, pois em cada atendimento é possível vender mais peças e ainda cativar esses clientes.
Essa questão do relacionamento tem se destacado muito até mesmo pela solidariedade dos clientes que já tem uma amizade com o dono da loja e entendem que esse momento está sendo difícil para o comércio. O cliente, quando deseja ou precisa de algo novo acaba priorizando essas marcas com quem já se relaciona.
3. Menos volume, mais valor agregado
Esse ponto está atrelado ao primeiro e é sobre o propósito do seu negócio, a solução que você está oferecendo para o seu cliente. Em vez de buscar, como no fast fashion, a venda de 5 blusas de R$20, por que não vender uma de R$100? Mesmo em um cenário de recessão, saiba que o cliente que gastaria os R$100 pode estar preferindo menos peças, desde que sejam peças de maior qualidade e que realmente solucionem o que ele demanda.
Para isso, o produto precisa ter uma longevidade real, precisa haver um propósito nesse negócio. O cliente do futuro (e até atual agora com a pandemia) gosta de saber quem está por trás desse negócio. E não que está comprando de um negócio vazio e sem um propósito verdadeiro. Essa já era uma tendência e uma grande dificuldade para o fast fashion, e essa tendência está sendo muito acelerada nesse momento do comércio.
Um colega meu de Santa Catarina trabalha em uma grande indústria nacional de lá, e comentou comigo que as fábricas estão paradas, mas estão contratando novos designers. Essa é uma tendência muito bacana, a de agregar mais valor tanto no atendimento quanto nos produtos, com o desenvolvimento de novas matérias-primas e novos modelos baseados nas necessidades dos clientes. Sem aquela produção em massa, inconsciente, mas sim dando um passo atrás, contratando novos designers, saindo do processo já tão cansado e obsoleto de copiar, colar e mudar pouca coisa. É realmente pensar no propósito de cada produto.
4. Sustentabilidade na moda
Outro ponto que nós já vínhamos falando há algum tempo é sobre a sustentabilidade na moda. Há uma preocupação sobre os impactos ambientais da produção massiva de produtos de moda, que muitas vezes vem de uma falta de consciência, de uma busca desenfreada por novidades, da necessidade de produzir cada vez mais. E essa produção muitas vezes não considera o porquê de estar produzindo um novo modelo, confeccionando e vendendo.
Isso acontece em todos os atacadistas, com as pequenas marcas, com as marcas de confecção que vendem para o atacado e o fast fashion. A grande maioria do mercado da moda ainda trabalha assim. Mas agora, com essa pausa da quarentena que estamos fazendo, nós podemos ver os impactos positivos na natureza como a redução da poluição que tem trazido animais para as cidades e para a beira dos mares. Sem os humanos circulando, a Terra respira. Essa resposta positiva da natureza torna ainda mais importante a discussão sobre a sustentabilidade na moda.
E os dois pontos anteriores se encaixam aqui também, pois com uma produção mais consciente de cada produto que colocamos no mercado da moda, podemos reduzir esses impactos no meio ambiente. A gente sabe que já produziu muito mais peças do que o necessário. A sobra de estoque obsoleto é um dos maiores crimes para a sustentabilidade da moda. Um dimensionamento incorreto dos seus estoques e toda aquela sobra de estoque obsoleto que ninguém quer comprar, tudo isso demonstra que já produzimos muito mais que o necessário. Quando retomarmos a indústria de confecções, precisamos considerar isso ao desenvolver nossos produtos. Montar um estoque bem assertivo é um grande passo para a sustentabilidade. E se nossas peças forem de fato produtos que as pessoas compram e usam já vai haver um grande ganho. Não devemos mais produzir uma peça só para ser vendida inconscientemente. Precisamos produzir com consciência.
5. As medidas de apoio do governo
Por fim, minha dica é que você utilize as medidas que o governo está oferecendo para ajudar nesse momento. Se você tem uma loja física em espaço alugado entre em contato com o proprietário do seu imóvel citando a lei que ampara a redução de até 50% dos aluguéis em situações emergenciais como a que estamos vivendo. Há também empréstimos e linhas de crédito com juros reduzido, tanto do governo como de bancos, para que você possa pagar a folha de funcionários. Se você é MEI, pode buscar o seu auxílio emergencial. Tudo isso pode te ajudar nesse período até que as coisas voltem ao normal.
Espero que essas minhas percepções te ajudem no seu negócio de moda nesse contexto difícil. Assim nós seguimos sabendo que tudo vai passar, mas que muitas coisas serão diferentes quando isso passar.
E você, quais tem sido as suas reflexões sobre a moda nesse período de quarentena? Conta pra mim!
Confira esse conteúdo de forma mais completa nesse vídeo.
Um super abraço e até a próxima!
Andressa Rando Favorito